Histórias de Moradores de Ermelino Matarazzo

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores do bairro.


História da Moradora: Simone Ramalho
Local: São Paulo
Publicado em: 07/11/2014

Aparecida na Ponte Rasa

História:

1972. Um barbeiro e uma dona de casa moravam há pouco tempo em uma casa em um bairro do que era, na época, uma periferia distante da zona leste da cidade de São Paulo. Um pouco antes moravam em uma casa de aluguel na Vila Esperança. Um abono salarial inesperado havia trazido um dinheirinho extra. Pensavam em comprar um armário de cozinha de aço, móvel desejado pelas famílias daquele pedaço. No entanto, descobriram que com o dinheiro do armário poderiam comprar uma pequena casa, velha, em um bairro bem afastado - a Ponte Rasa.

Lugar de ruas de terra e de lama quando chovia, de água de poço em algumas casas que serviam vários vizinhos, pouca luz na rua, longas caminhadas para chegar até um ponto de ônibus e foram para lá, mesmo que todos achassem que cometiam uma loucura, dada a precariedade da casa e do bairro. Era o sonho da casa própria falando mais alto... Como havia apenas um quarto, o jeito foi arranjar duas camas de armar para os dois filhos, já grandinhos, irem dormir na cozinha. Afinal, tendo um teto, tudo se ajeita. Um dia, se o barbeiro preenchesse todo seu tempo com trabalhos extra, reformariam a casa. Um dia, chegaria o asfalto, a luz, a água encanada. Um dia comprariam um carrinho, para poder sair com a família nos dias de chuva, já que na lambreta verde que tinham não cabia todo mundo. Bom, pelo menos tinha um rio no final da rua onde moravam, com uma pequena ponte, aquela que batizava o bairro.

A nova morada traz a surpresa de mais um filho inesperado. Bem, mais trabalho para o barbeiro, mais longe fica no tempo os planos da reforma, do carrinho. Mais trabalho para a dona de casa, inventando modos de fazer o dinheiro render para alimentar a família que crescia. Agora que a bomba d'água que puxava água do poço que se comportasse, não era ocasião de ficar quebrando e dando mais despesas... Mas estavam felizes. Viria agora uma menina? A gravidez vai bem, embora a dona de casa ficasse muito inchada, a barriga crescesse muito e fosse muito difícil ir sozinha, com os dois meninos, de ônibus, lá daquele bairro até a Vila Mariana para as consultas médicas. Numa delas, no final da gravidez, um médico lhe examina e diz, friamente, que precisariam interromper a gravidez, porque naquela grande barriga só havia água e nenhum bebê. O médico, não se escolhia na condição daquela família e daqueles tempos. Nem tampouco se dava ao trabalho de explicar por onde chegara àquela conclusão.

A mulher, sozinha com os filhos, sai da sala do médico e se recusa ao procedimento para lhe tirarem as supostas águas da barriga. O que faziam essas mulheres? Mesmo não sendo tão religiosa assim, a dona de casa lembra da santa brasileira, aquela, encontrada nas águas do Vale do Paraíba, em uma imagem simples, sem luxuosos mantos nem altares, motivo de adoração de tanta gente simples desse país. Pede a ela, que trouxesse das águas seu filho ou filha tardia e espera. Promete-lhe dar seu nome à criança, em agradecimento. Meses depois, nasce a menina que não existia no olhar do médico apressado e pouco atento à vida, como tantos na história da saúde desse país naquela época, pesando nada mais que quatro quilos.

Porque apareceu das águas, por intercessão da santa, companheira das aflições de tantos homens e mulheres que naqueles tempos não tinham muito mais a quem recorrer, foi chamada de Aparecida. Mas por intercessão da novela das oito, cuja protagonista era uma sofredora Regina Duarte que vencia muitas injustiças, inspirando legiões daqueles pedaços, foi chamada também de Simone. Simone Aparecida das águas na Ponte Rasa, pela fé na vida de um homem e uma mulher que seguem até hoje juntando seu dinheiro para melhorar a mesma casa, na rua em que não corre mais um rio, mas onde as ladeiras abrigam a história de meu nascimento, contada prazerosamente por meus pais, pela vida afora, e de tantos outros que apareceram nesta vida.

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